VIOLÊNCIA E AGRESSIVIDADE: SUAS MANIFESTAÇÕES
Maria Otília Bento Holz
Violência e agressividade são
dois significantes que, por muito tempo, foram considerados sinônimos. Atualmente
a psicanálise prima pelo discernimento de um e de outro que é caracterizado
pela maneira como se manifestam.
A violência aparece numa relação
interhumana enquanto à agressividade está no sujeito para com ele mesmo. A
violência é força viva, com vida própria, regida pela natureza real da pulsão,
é isso que não muda, que se repete em qualquer época.
“Essa vida autônoma está em cada
um, desde que a linguagem cunhou o corpo com sua prensa indizível e sem
sentido, forjando o traumatismo que inaugura a experiência do falasser”.[1]
É justamente quando os limites da
linguagem são ultrapassados que a violência se manifesta. Então é preciso ler o
que “isso” fala e o que tem a dizer. Que se encontre no dizer uma nova forma de
viver a pulsão de morte.
A violência urbana crescente
aponta consequências do declínio do Nome do Pai e da crescente dominação
materna que faz parceria com a tecnologia científica e a medicina, cuja oferta
de objetos procura suprir a função de um Outro não barrado. Esse circuito
capitalista, o mais de gozar, agrega um valor a mais no objeto, e isto muda o
discurso do mestre em discurso capitalista que dispensa o Outro significante, que
antes apontava para um ideal; a honra, a pátria, a família e outros. Hoje a
violência mostrando-se nas discórdias das linguagens, no dia a dia, numa
repetição do impossível de dizer, que a partir do real sem lei, trafega nas
cidades. É a violência que cada um extrai das catástrofes e desastres,
vivificando o traumatismo inaugural da vida nos corpos falantes e que Lacan
(1999) a nomeou como “a brutalidade opaca da vida”.
Quanto à agressividade, para o
senso comum, significa no dicionário “disposição para o desencadeamento de
condutas hostis, destrutivas fixadas e alimentadas pelo acúmulo de experiências
frustradoras”. Para a psicanálise essa disposição que se volta para o próprio
sujeito aponta para uma satisfação paradoxal.
Como a violência, a agressividade
também está atrelada à pulsão de morte. Mas como entender por que nem todo
mundo tem a mesma relação com a pulsão de morte?[2]A agressividade
se manifesta numa experiência que é subjetiva por sua própria constituição. Ela
corrói, mina, desagrega, castra e muitas vezes conduz à morte, nos diz Lacan em
escritos p 107. Freud atribui essa tendência mórbida como um movimento vital. Há
na agressividade uma relação específica do homem com o seu próprio corpo,
referente a imagens de castração, emasculação, mutilação, desmembramento,
desagregação, devoração, explosão do corpo, em suma as imagos do corpo
despedaçado.[3]
Imagens agressivas que atormentam os homens através dessas fixações mais
arcaicas.
Por isso na periferia do “si
mesmo” não reina paz e anuncia-se a presença do gozo como tal. Daí Lacan
conceber o trauma como estrutural, e portador de um fator subjetivo
ineliminável.[4]
Na clínica, uma vinheta.
Um caso que mostra uma cruel
parceira da violência com a agressividade na mesma pessoa.
Malva é uma jovem moça, embora
aparente muito mais idade, efeito da tirania a que foi submetida pela mãe. Aos
6 dias de vida, devido ao seu choro incessante a mãe, provavelmente, sob um surto psicótico puerperal, espancou-a
tanto que a empregada chamou a polícia. Malva foi levada para o hospital onde
permaneceu na UTI entre a vida e a morte, acompanhada por uma tia (médica) que
ficou seu lado todo tempo. A mãe foi presa por dois anos e nesse período Malva
ficou sob os cuidados dos avós maternos em outra cidade. Saindo da cadeia a
mãe, a pedido do pai, buscou-a. Malva, então ficou submetida aos “maltratos”
maternos desde ter os pés lavados com ácido, aos 4 anos, ter o braço queimado com
ferro de passar roupas, aos 11 anos e ouvir que ela não deveria ter nascido. O
pai a chamava de maldição e a mãe dirigia-lhe uma série de impropérios. A partir dos 4 anos, até aos 11 anos, Malva
foi abusada sexualmente pela mãe, todas as quinta-feiras, quando o pai viajava,
até o dia em que ele não viajou e flagrou a mãe em cima de Malva. Novamente a
mãe foi presa e desta vez no manicômio judiciário. Malva tentou suicidar-se aos
10 e aos 15 anos quando foi internada numa clínica psiquiátrica por dois meses
e meio. Lá recusava-se a tomar qualquer remédio.
Extremamente inteligente, frequenta
a Universidade, com QI de 166, fala 6 idiomas. Escreve, lê e anda
compulsivamente. Quando não está em crise de amnésia é lúcida, coerente e se
analisa muito bem.
A agressividade de Malva aparece
através de uma mutilação, onde se corta e se queima com ácido, dizendo não
sentir dor. Que o seu corpo são pedaços soltos, que tudo entra. Diz que tem
dois lados, um que é Malva, consciente, educada, estudiosa e outro que lhe é
estranho pois faz coisas que não lembra. Malva não foi só violentada, mas
também usa da violência. Mordeu a língua e deu um soco num colega na
Universidade porque ele quis dar-lhe um beijo. Ao voltar a si, ele estava
sangrando. Quando entra em crise, apresenta reações das mais diversas, desde
irreverência, arrogância, sarcasmos. Também faz coisas que não acredita que foi
ela que fez, por exemplo; desenhos artísticos, mesmo dizendo que não sabe
desenhar. Passa a noite fora de casa sem saber onde foi. Tem horror ao toque,
usa luvas para tomar banho. Há três anos reside em Curitiba com uma amiga e só
uma vez recebeu a visita de sua irmã com o pai.
[1]
Brisset, Fernanda Otoni coord. XX E BCF – arquivo do Blog 13-5-4
[2]
Guilhot, Éric. Psicanalista na Bélgica – Da agressividade à pulsão de morte –
Revista Aleph nº 4 p.
[3]
Lacan, J. escritos . Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998 p 107/108
[4]
Vieira, M. A. – A violência do trauma e seu sujeito p 74/75